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As constituições nascem ou morrem a partir de momentos que marcam rupturas e necessidade de uma nova ordem política, econômica ou social. Foi assim na história do Brasil desde a formação de sua primeira Carta Constitucional em 1824, durante o Império, até a Constituição Cidadã, promulgada em 1988, e atualmente em vigor.
Ao longo da história, os textos constitucionais alternavam momentos de maior ou menor equilíbrio entre o poder estatal e os direitos fundamentais dos cidadãos, transitando por períodos democráticos e autoritários. O Brasil teve sete Constituições desde o Império. Alguns historiadores consideram a Emenda nº 1 à Constituição Federal de 1967, como a Constituição de 1969, outorgada pela Junta Militar. Mas na história oficial do País são consideradas apenas sete – 1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e 1988.
1824 – A Constituição Política do Império
De todas as constituições da história nacional, a Constituição Política do Império do Brasil foi a que vigorou por mais tempo – 65 anos, e nesse período sofreu apenas uma emenda. Somente a constituição dos Estados Unidos era mais antiga que a brasileira. Ela foi elaborada por um Conselho de Estado e outorgada em 1824 por D. Pedro I.
O texto consolida, em seu artigo 1º, a independência do Brasil, proclamada em 7 de setembro de 1822, formando uma “nação livre e independente, que não admite com qualquer outra laço algum de união, ou federação, que se oponha à sua independência”. No artigo 10, a repartição de poderes se faz em quatro – o Poder Legislativo, o Poder Moderador, o Poder Executivo, e o Poder Judicial.
Traço marcante dessa Constituição, o Poder Moderador, previsto no artigo 98 do texto, coloca o imperador como chefe supremo da nação, acima de todos os outros, e lhe confere um caráter inviolável, sagrado e isento de qualquer responsabilidade. Pelo dispositivo, o imperador tem poderes ilimitados para nomear senadores, convocar ou prorrogar assembleia geral, dissolver a Câmara dos Deputados e suspender magistrados.
O texto estabelece a divisão do território em províncias governadas por indicados pelo imperador e eleições indiretas e censitárias. Institui a forma de governo Monárquico Hereditário, Constitucional e Representativo e adota a religião católica como oficial do Império, permitindo outras religiões apenas em cultos domésticos.
1891 – Constituição Republicana
Com o fim da monarquia é assinado em 15 de novembro de 1889 o decreto que institui o Governo Provisório da Nova República – o documento pelo qual é proclamada a República. O momento exigia a elaboração de uma nova carta constitucional que estabelecesse a estrutura do Estado e os rumos a seguir e, um ano após a proclamação da República, foi instalado o Congresso Constituinte. A primeira Constituição republicana do Brasil, com seus 91 artigos e outros oito nas Disposições Transitórias, foi então promulgada em 24 de fevereiro de 1891, com modificações profundas em relação à carta anterior.
A Constituição da Republica dos Estados Unidos do Brasil, com caráter mais democrático, foi promulgada pelo Congresso Nacional e instituiu o federalismo, “por união perpétua e indissolúvel das suas antigas províncias, em Estados Unidos do Brasil”. Como forma de governo, essa Carta é marcada pela criação de uma República presidencialista com federalismo, a qual preserva a autonomia dos estados e destina uma área de 14.400 km² a ser demarcada no Planalto Central, para nela estabelecer-se a futura capital federal.
A Carta de 1891 garante a eleição direta, por maioria absoluta de votos não secretos, para presidente e vice-presidente da República para brasileiros natos, com mais de 35 anos de idade, no exercício dos direitos políticos. É inspirada no modelo norte-americano – presidencialista com federalismo – que se opunha ao modelo da carta anterior da monarquia constitucionalista. Estabelece a separação e independência entre os Poderes, extingue o Poder Moderador e preconiza a laicidade do Estado. Institui o habeas corpus como garantia do direito de locomoção.
1934 – Democrática e de curta duração
A Constituição de 1934 reafirma em seu artigo 1º o compromisso com a República e com o princípio federativo da carta anterior. Para o ministro Celso de Mello, a Constituição de 34 representou um “divisor de águas na evolução do constitucionalismo brasileiro”. O texto liberal é fruto de uma série de fatores internos e externos que culminaram no esgotamento do modelo anterior e já estabelece em seu artigo 2º que “todos os poderes emanam do povo e em nome dele são exercidos”.
Após a Revolução de 1930 era necessária uma nova Carta constitucional, uma vez que o então presidente, Getúlio Vargas, governava de forma autocrata, por meio da edição de decretos. Contra essa concentração de poder eclodiu a Revolução Constitucionalista de 1932, ocorrida em São Paulo, que levou à elaboração da Constituição de 1934.
O novo texto trouxe muitos avanços, especialmente na legislação eleitoral e trabalhista – com a conquista do voto obrigatório e secreto e do direito de voto às mulheres. Marca a criação da Justiça Eleitoral e do Trabalho. O texto traz ainda uma nova estruturação do Estado, com as prerrogativas privativas da União frente aos governos estaduais, e uma nova organização da Justiça no país, com o aprimoramento do controle de constitucionalidade das leis e dos atos normativos. Além disso instituiu o Ministério Público, o Tribunal de Contas, o mandado de segurança e a ação popular.
Apesar dos avanços propostos na Carta de 1934, ela durou pouco, apenas três anos, e foi revogada para a entrada em vigor da Constituição de 1937, criada para consolidar o Estado Novo e a ditadura da Era Vargas.
1937 – Institui o Estado Novo com supressão de direitos e garantias
Inspirada nos regimes totalitários em ascensão na Europa no período que antecedeu a Segunda Guerra Mundial, a Constituição de 1937 foi outorgada por Getúlio Vargas para implantar e consolidar o chamado Estado Novo. De caráter autoritário, o texto começa com uma exposição de motivos feita por Getúlio Vargas para justificar as medidas duras que viriam a ser elencadas em seus artigos e parágrafos, para “assegurar à Nação a sua unidade, o respeito à sua honra e à sua independência, e ao povo brasileiro, sob um regime de paz política e social, as condições necessárias à sua segurança, ao seu bem-estar e à sua prosperidade”.
Assim, a Carta de 37 institui a pena de morte, suprime liberdades individuais e os partidos políticos e concentra poderes no chefe do Executivo, acabando com a independência dos demais poderes da República. O texto também restringe a atuação e as prerrogativas do Congresso Nacional, permite a perseguição política aos opositores do governo e estabelece a eleição indireta com mandato fixo de seis anos para presidente da República.
O fim da Segunda Guerra Mundial, com a decadência dos regimes totalitários que inspiraram o Estado Novo, além da insatisfação gerada pela grande concentração de poder nas mãos do chefe do Poder Executivo levaram à queda do regime de Vargas. Assume então o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro José Linhares, para a convocação de eleições e de uma Assembleia Constituinte para a elaboração de uma nova ordem constitucional.
1946 – Retomada democrática
A Constituição de 1946 foi promulgada pelo Congresso Nacional durante o governo de Eurico Gaspar Dutra. Ela tem o caráter democrático que a anterior não tinha, retomando os preceitos da Carta liberal de 1934. Passam a ser restabelecidos os direitos individuais, a independência dos Poderes da República e a harmonia entre eles, a autonomia dos estados e municípios, a pluralidade partidária, direitos trabalhistas como o direito de greve e a instituição de eleição direta para presidente da República, com mandato de cinco anos.
O texto também extingue a pena de morte, garante a liberdade de expressão, o direito de propriedade, a inviolabilidade das correspondências, entre outros. Na Carta de 1946 destaca-se a instituição do regime parlamentarista, por meio do chamado Ato Adicional, de 2 de setembro de 1961, após a renúncia do então presidente da República Jânio Quadros. Mas tal emenda previa a realização de um plebiscito. Realizado em janeiro de 1963, a maioria da população decidiu pela restauração do regime presidencialista.
Embora democrática, a Constituição de 46, com seus 218 artigos traz na sua primeira parte toda a estruturação do Estado e somente a partir do artigo 129 começa a tratar da declaração de direitos e da cidadania e das garantias individuais. O texto ainda impede qualquer reforma constitucional na vigência de estado de sítio e a deliberação de projetos tendentes a abolir a Federação ou a República.
1967 – Consolidação do Regime Militar
Após a instalação do Regime Militar em 1964 foi mantido o funcionamento do Congresso Nacional, contudo seus poderes e prerrogativas eram controlados “em nome da segurança nacional”. Apesar de ter sido promulgada pelo Congresso Nacional, como foram outras cartas com caráter democrático, a Constituição de 1967 consolidou o Regime Militar no Brasil, tendo como marca o autoritarismo e a reversão dos princípios democráticos preconizados na Carta de 1946. Houve a concentração de poderes na União, com um Poder Executivo Federal mais forte, e supressão de garantias políticas, com a adoção da eleição indireta para presidente da República, por meio de Colégio Eleitoral.
O texto foi diversas vezes emendado, por meio de atos institucionais e atos complementares decretados entre 1964 e 1969. O mais conhecido deles foi o Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968, que levou ao fechamento do Congresso Nacional, à supressão de direitos e garantias do cidadão, à proibição de reuniões, à imposição da censura aos meios de comunicação e expressões artísticas, à suspensão do habeas corpus para os chamados crimes políticos, à autorização para intervenção federal em estados e municípios e decretação de estado de sítio.
Considerada por alguns historiadores como a Constituição de 1969, a Emenda Constitucional nº 1, de 1969, foi, segundo o ministro Celso de Mello, “nada mais que uma Carta imposta autoritariamente por um triunvirato militar, na ausência do presidente da República, que havia falecido – o presidente Costa e Silva”. Na concepção do decano do STF, essa emenda constitucional “é uma Carta Constitucional envergonhada de si própria, imposta de maneira não democrática e representando a expressão da vontade autoritária dos curadores do regime”. A história oficial, entretanto, reconhece apenas sete as constituições brasileiras, de forma que a Emenda Constitucional 1/1969 é considerada apenas uma reinterpretação do texto de 1967, decretada pela Junta Militar que governava o País, após a morte de Costa e Silva.
1988 – Constituição Cidadã
A partir do governo do general Ernesto Geisel, com a aprovação da Lei da Anistia para os exilados políticos, o processo de abertura política tornara-se irreversível, sendo fortalecido durante o governo do general João Figueiredo, com a convocação de eleições via Colégio Eleitoral, após a rejeição da emenda constitucional que procurava restabelecer eleições diretas no Brasil. Promulgada em 5 de outubro de 1988 pela Assembleia Nacional Constituinte eleita em 1987, a nova Constituição veio consolidar a transição do Regime Militar para a Nova República, após 20 anos de repressão e direitos individuais tolhidos em nome do interesse do Estado.
A nova Constituição é considerada uma das mais modernas, complexas e extensas do mundo – são 250 artigos, 99 emendas constitucionais e outras seis emendas de revisão promulgadas em 1993. O texto elenca direitos individuais e coletivos e consagra a proteção ao meio ambiente, à família, aos direitos humanos, à cultura, educação, saúde e, de forma inédita na legislação brasileira, traz um capítulo especial dedicado à ciência e à tecnologia.
O texto também procura se autopreservar, impedindo a aprovação de emenda constitucional tendente a abolir as chamadas cláusulas pétreas – regime federativo, separação de Poderes, direitos e garantias individuais e voto direto, secreto e universal e periódico. Ela permite o exercício direto da cidadania também por meio de projetos de lei de iniciativa popular e consagra os princípios de garantia dos direitos adquiridos, dos atos jurídicos perfeitos e da coisa julgada.
Assim, considerada muito analítica por uns ou ainda inacabada por outros, a Constituição Federal de 1988 chega aos seus 30 anos tendo por guardião o Supremo Tribunal Federal – função por ela mesma estabelecida em seu artigo 102.
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